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Por que o comportamento é selecionado por suas consequências?


Para começar, é preciso compreender exatamente o que se quer saber com a pergunta: “Por que o comportamento é selecionado por suas consequências?”. Para isto é preciso que revisemos as definições de seleção, comportamento e consequência da forma como abordadas pela análise do Comportamento (AC).
Ainda que de maneira tardia, Skinner (1981) preocupou-se em identificar sua proposta de estudo dos fenômenos psicológicos com uma perspectiva evolucionista. O modelo de causalidade probabilística e histórica pressuposta em sua definição de comportamento operante aproximava-se da noção de seleção natural proposta por Darwin.

Tal qual Darwin, Skinner opôs-se a ideia de teleologia como agente explicativo. Ambos trataram seus objetos de estudo – respectivamente a especiação e o comportamento dos organismos – a partir do princípio de que a natureza funciona sem um propósito pré-estabelecido e que, portanto, nenhum organismo pode nascer totalmente preparado para responder a todas as variações possíveis que o contexto natural pode assumir.

Deste modo, tanto Darwin quanto Skinner irão sugerir que a natureza funciona não como um agente inicializador (Skinner, 1981), mas como selecionadora de variantes (ou em uma linguagem genética mais moderna, de fenótipos) funcionalmente mais adaptativas em um determinado contexto (leia-se espaço-tempo).

Assim, ao tomar um organismo qualquer, a ação que ele exerce sobre o mundo – tanto em nível fisiológico quanto comportamental – estará sujeita ao efeito diferencial que ela é capaz de exercer no ambiente de tal modo que, se sua ocorrência é capaz de aumentar a frequência com que alelos [de um pool gênico] ou classes de respostas [entre um repertório comportamental] prevaleçam sobre outras, dir-se-á que eles foram selecionados.

Tomemos então a noção de seleção para conceituar comportamento: é a relação entre organismo e ambiente em que uma determinada ação é selecionada pelas consequências que acarreta (Skinner, 1984). Esta seleção pode se dar tanto na história da espécie (filogênese), quanto no percurso de vida do organismo (ontogênese), ou entre uma prática do grupo social em que ele se insere e compartilha experiências (cultura) (Skinner, 1981).

Neste conceito de comportamento já incluímos a noção de consequência. Contudo, é necessário que tenhamos clareza a respeito do que este termo pressupõe quando empregado por um analista do comportamento.

De fato, da forma como costumeiramente o termo consequência é utilizado entre analistas do comportamento, não parece ser o mais adequado para explicar aquilo com que Skinner (1981) efetivamente se ocupava quando escreveu seu selection by consequences. Se tomarmos um trabalho anterior (Ver Skinner, 1953) ver-se-á que consequência para Skinner pressupõe uma relação de dependência funcional entre eventos. A consequência necessária da resposta é o reforço¹, para o comportamento operante, tal qual a resposta incondicionada é a consequência do estímulo eliciador incondicionado no comportamento respondente.

Mesmo em boa parte dos esquemas de reforçamento intermitente, a noção de consequência é preservada de modo que apenas a resposta operante que provoca a consequência torna-se mais complexa (e.g. pode depender da latência, no caso de esquemas de intervalo, ou do número de ocorrências de uma topografia específica, no caso de esquemas de razão).

Todavia, o próprio Skinner (1948) identifica uma circunstância em que a resposta pode ficar sob controle não do que ela causa propriamente no ambiente, mas apenas do que acontece temporalmente próximo a ela, como o é para o comportamento supersticioso. Aplicando esquemas de tempo, em que um estímulo apetitivo é liberado após um determinado período independentemente da ocorrência de um operante específico, em pombos confinados em uma caixa de condicionamento operante, Skinner (1948) concluiu que o simples fato de um evento ambiental acontecer de maneira contígua a uma resposta aleatoriamente expressa pelo organismo, no instante em que ela aconteceu, era suficiente para que a frequência destas classes de resposta fosse afetada.

Este dado com comportamento supersticioso será suficiente para retomarmos nossa discussão sobre o papel da consequência no controle do comportamento. Apesar de nomear seu modelo interpretativo como seleção por consequências (1981), uma breve revisão da obra de Skinner (1948; 1953; 1974; 1975; 1981; 1984; 1986) não dá margem para compreender que ele pressupunha que – ao operar sobre o mundo – um organismo qualquer seja sensível apenas àquilo que ele próprio é capaz de provocar sobre o mundo.
Talvez um modelo de seleção por subsequência descrevesse melhor, à priori, o controle que Skinner pressupunha existir sobre o comportamento dos organismos, visto que esta seleção incluiria tanto os controles por consequência quanto por contiguidade.

Mas isto apenas se tomarmos uma análise “mais estreita” temporalmente. É necessário lembrar que Skinner constrói seu modelo para explicar o comportamento dos organismos a partir também da filogenia e da cultura. Nestas duas instâncias ainda não está claro o papel que a contiguidade é capaz exercer sobre o controle do comportamento dos organismos, humanos ou não humanos.

Para concluir, perguntar “por que o comportamento é selecionado por suas consequências” é necessário, mas não pode antever o fato de que nenhum de nós – seres vivos – estamos aptos a reconhecer o que do mundo é efetivamente alterado pelo que fazemos e quanto deste mundo [galáxia, universo] acontece de maneira totalmente independente do que quer que façamos.

Skinner lançou um modelo útil, mas que está sujeito aos eventos contingentes e contíguos a ele. De tal modo que não é sem sentido imaginar que este modelo poderia desaparecer da literatura apenas por que outro modelo interpretativo está tão melhor estabelecido entre nossa cultura que as contingências cerimoniais que o mantém podem ser mais poderosas que as contingências tecnológicas (Glenn, 1986)  produzidas por uma análise funcional em três níveis como feita na proposta skinneriana.


Atenciosamente,

Luiz Henrique Santana
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¹Aqui foi feita uma simplificação que objetiva ser didática. Uma melhor definição de fato seria: a consequência necessária da resposta é uma alteração ambiental que, se afetar futuramente o comportamento do organismo em questão, pode funcionar ou como estímulo apetitivo ou como aversivo e assim estabelecer controle por reforçamento ou punição.

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Referências

Glenn, S. S. (1986). Metacontingencies in Walden Two. Behavior Analysis and Social Action, 5(1-2), 02-08.

Skinner, B. F. (1948). Superstition in Pigeon. Journal of Experimental Psychology, 38, 168-172.

Skinner, B. F. (1953). Science and Human Behavior. New York: Free Press.

Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Vintage.

Skinner, B.F.  (1975). The shaping of phylogenic behavior.  Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 24(1), 117-120.

Skinner, B. F. (1981). Selection by Consequences. Science, 213(4507), 501-504.

Skinner, B. F. (1984). The Evolution of Behavior. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 41(2), 217-221.

Skinner, B. F. (1986). The Evolution of Verbal Behavior. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 45(1): 115–122.

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