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Para o Behaviorismo, a punição é o inverso do reforçamento?


Para o Behaviorismo, considerando que este é uma escola filosófica composta por uma série de pesquisadores com linhas teórico-experimentais distintas, seria impossível esgotar em uma breve explanação todas as possibilidades explicativas para contemplar esta pergunta. Portanto, concentremos nossos esforços nas duas principais propostas que discutem o conceito de punição atualmente: a de B. F. Skinner (1953/2003) e a de Azrin e Holz (1966/1975) (Mayer & Gongorra, 2011).

A fim de esclarecer as diferenças entre as operações comportamentais que envolvem reforçamento e punição, Skinner (1953/2003) se propõe a definir alguns conceitos básicos. Um reforçador positivo caracteriza-se como um estímulo o qual, ao ser apresentado de modo contingente a uma resposta, fortalece a mesma. Já um reforçador negativo (estímulo aversivo) seria um estímulo cuja retirada fortalece uma resposta. Ambos são reforçadores, considerando que aumentam a frequência do responder. Para aquele autor, a punição envolve dois procedimentos: a apresentação de um estímulo aversivo ou a retirada de um estímulo reforçador positivo. A partir destas definições, percebe-se uma simetria entre os procedimentos de reforçamento e punição – apresentação e retirada de estímulos (Mayer & Gongorra, 2011).

Para além dessa simetria de procedimento, Skinner (1953/2003) explica a redução de frequência comportamental ocasionada pela punição como uma combinação de procedimentos respondentes e operantes: o de eliciação de comportamentos respondentes incompatíveis com o responder punido e, associado a n pareamentos respondentes, o reforçamento negativo de respostas de fuga e esquiva (reforçamento negativo) relacionadas à condição primeira de eliciação ou à estimulação condicionada.

Como exemplo, o autor descreve o causo de uma criança que, ao rir em uma dada circunstância, foi beliscada pela mãe. A dor e a ansiedade sentidas pela criança, além de incompatíveis com o comportamento de dar risadas, seriam pareadas com vários outros estímulos presentes no momento da apresentação do aversivo, como uma advertência da mãe, adquirindo uma função eliciadora dessas respostas emocionais. Desse modo, qualquer responder que evite (esquiva) ou interrompa (fuga) a estimulação aversiva, como a supressão do rir e/ou outras respostas que não a de dar risada, poderiam ser fortalecidas.

Assim, a punição seria explicada pelo paradigma respondente e por reforçamento negativo, não implicando em um procedimento independente do de reforçamento, caracterizando uma assimetria explicativa entre reforçamento e punição. Skinner (1953/2003) ainda observou outra assimetria quando comparou os efeitos destes procedimentos no que diz respeito aos seus subprodutos emocionais, como a ansiedade e outras respostas emocionais geradas pela punição, além da instabilidade do responder mantido por punição quando comparado ao mantido por reforçamento.

Logo, segundo Carvalho Neto e Mayer (2011), a punição para Skinner seria assimétrica ao reforçamento em dois aspectos: a) seriam explicados por mecanismos comportamentais distintos; b) produziriam efeitos ou subprodutos específicos. Por conseguinte, de acordo com o paradigma skinneriano, a punição não seria o inverso do reforçamento, pois existem relações de assimetria entre os dois procedimentos e seus efeitos que não podem superpor-se.

Diferentemente da de Skinner (1953/2003), a definição de punição de Azrin e Holz (1966/1975) apresenta um caráter mais funcional, segundo Mayer e Gongorra (2011). Essa proposta trata da punição como uma diminuição da probabilidade de um responder após a apresentação imediata de um estímulo, nomeado “punitivo”.

Logo, evidencia-se uma mudança de foco na discussão sobre simetria entre punição e reforçamento para os efeitos comportamentais, além de se considerar a simetria de procedimento skinneriana – retirada e apresentação do estímulo aversivo. Então, de acordo com Azrin e Holz (1966/1975), além dos procedimentos serem simétricos, os efeitos comportamentais das duas operações em questão também seriam simétricos, porém em direções opostas – enquanto na punição a probabilidade do responder diminui, no reforço aumenta (Mayer & Gongorra, 2011).

Portanto, considerando as simetrias de procedimento e de efeitos comportamentais encontradas no modelo de punição de Azrin e Holz (1966/1975) por Mayer e Gongorra (2011), poderíamos dizer que a punição é o inverso do reforçamento, diferentemente do que concluímos das premissas skinnerianas. Assim, percebemos que há vários impasses conceituais relativos à simetria e assimetria quando abordamos apenas a concepção desses dois autores behavioristas. Logo, imagine o quão fértil é este “terreno investigativo” quando se fala em manipulações experimentais envolvendo punição e reforçamento? Esta é uma discussão muito atual e importante para os paradigmas conceituais behavioristas, a qual vale à pena conhecer mais sobre (fica a dica, e as referências).

Saudações behavioristas,

Aline Maués Seixas
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Referências

Carvalho Neto, M. B. & Mayer, P. C. M. (2011). Skinner e a assimetria entre reforçamento e punição. Acta Comportamentalia, 19, 21-32.

Mayer, P. C. M. & Gongorra, M. A. N. (2011). Duas formulações comportamentais de punição: definição, explicação e algumas implicações. Acta Comportamentalia, 19, 47-63.

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov, & R. Azzi, Trans.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953)

Para conhecer mais sobre simetria e assimetria dos conceitos behavioristas:

Marr, M. J. & Tech, G. (2006). Through the looking glass: symmetry in behavioral principles? The Behavior Analyst, 29, 125–128.

Para saber mais sobre o Behaviorismo:

Carvalho Neto, M. B. (2002). Análise do comportamento: behaviorismo radical, análise experimental do comportamento e análise aplicada do comportamento. Interação em Psicologia, 6, 13-18.

Matos, M. A. (1999). O behaviorismo metodológico e suas relações com o mentalismo e o behaviorismo radical. Em R. A. Banaco (Org.). Sobre comportamento e cognição, 1, 54-67. Santo André, SP: Arbytes.

Watson, J. B. (1958). Behaviorism. New York: Norton. (Trabalho original publicado em 1924)

Sobre controle aversivo em geral:

Gongora, M. A. N., Mayer, P. C. M., & Mota, C. M. S. (2009). Construção terminológica e conceitual do controle aversivo: período Thorndike-Skinner e algumas divergências remanescentes. Temas em Psicologia, 17, 209-224.

Hineline, P. N. (1984). Aversive control: a separate domain? Journal of Experimental Analysis of Behavior, 42, 495-509.

Hunziker, M. H. L.(2011). Afinal, o que é controle aversivo? Acta Comportamentalia, 19, 9-19.

Artigo muito esclarecedor sobre punição:

Church, R. M. (1963). The varied effects of punishment on behavior. Psychological Review, 70(5), 369-402.

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